domingo, 8 de março de 2020

O telefone não toca

Estava acostumado a ter o telefone tocando com mamãe pedindo ajuda. Me pego às vezes pensando o que ela está precisando. Como se ela estivesse lá, sentada no sofá, assistindo à missa da tevê ou chorando de dor e agonia nos momentos de ausência de dopamina no cérebro. 

Esse sentimento de pensar nas necessidade dela vem desaparecendo pouco a pouco. Cada vez mais me dedicando à família e à profissão, vou me tocando que ela realmente se foi. 

O meu irmão passou a morar no apartamento dela enquanto não sai a herança. No começo eu ainda dizia: "vou pegar uma encomenda na casa da mãe". Hoje digo "na casa do meu irmão". Dá uma dor em trocar os donos e dá uma leveza. Saber que mamãe já não mais pertence fisicamente àquele reino em destruição me enche de esperança que, de alguma forma, ela está mais próxima da libertação. 

Hoje fui à missa com minha esposa. O padre pediu para que pensássemos em quem daríamos a paz de Cristo. Ele queria que pensássemos nos mais diversos pedintes, necessitados de toda ordem jogados pelo mundo. Só pensei nela, iluminada, esticando-se, como que despertando de um sono profundo, deitada que estava no escuro de uma solitária.

Chorei. 

Minha esposa ainda se admira de eu ter pensamentos confusos sobre aqueles quatro dias no hospital, de eu ter dúvidas sobre as decisões médicas tomadas ao final daquela vida. Mas, depois ela volta a entender. Pensa de como seria se tivesse sido a mãe dela. Para sua visão de quem não está no corpo de um filho, conseguindo ser mais objetiva, parece óbvio. Para mim, de vez em quando me pego perguntando se foi o certo. Aí tenho que fazer o esforço de repassar o diálogo que tive com mais de cinco médicos, todos de escol, todos unânimes de que o que aconteceu foi o mais certo técnica, ética e espiritualmente. 

E roda a melancolia seu interminável fuso. 

- Um dia esse tear para e, enfim, seu vestido estará pronto. Aquele de entrar na festa nupcial do Reino de Deus. Se é que já não entrou. Espero que tenha entrado. Entre, por favor.

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